Maternidade e situações estressantes no primeiro ano de vida do bebê
- Andrea Rapoport; Cesar Augusto Piccinini
- 21 de jul. de 2016
- 8 min de leitura
Maternidade e situações estressantes no primeiro ano de vida do bebê
Andrea Rapoport; Cesar Augusto Piccinini
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil
Endereço para correspondência
RESUMO
O objetivo do presente estudo foi investigar situações estressantes envolvendo a maternidade no primeiro ano de vida do bebê e o apoio social recebido. Participaram do estudo 39 mães adultas, primíparas, que viviam com seus companheiros. As mães foram entrevistadas quando o bebê tinha um ano de vida. Os resultados revelaram a existência de diversas situações estressantes e houve maior solicitação de apoio social durante essas situações, e quando este foi recebido auxiliou as mães tanto do ponto de vista emocional como prático. Os resultados sugerem que apoio social dado à mãe mostra-se fundamental tanto para ela como para a sua relação com o/a filho/a.
Palavras-chave: Maternidade, Estresse, Apoio social.
O nascimento de um filho é um evento que modifica a vida do casal, especialmente a da mãe, que comumente assume a maior parte das responsabilidades de cuidado do filho/a. Essas mudanças são ainda maiores no caso de mães primíparas. A reação da recém-mãe a essas mudanças é influenciada tanto por fatores individuais como ambientais. Entre eles, um dos mais importantes, que influencia o seu bem-estar, é o apoio que ela recebe daqueles que a rodeiam, principalmente do pai do bebê (Dunkel-Shetter, Sagrestano, Feldman & Killingsworth, 1996).
A maternidade e a paternidade se constituem em uma nova etapa do ciclo de vida familiar, o que tende a gerar estresse devido à adaptação necessária, em particular, durante os três primeiros meses de vida do bebê, quando as demandas tendem a ficar exacerbadas (Maldonado, 1990). Nesse sentido, pode haver uma maior solicitação de apoio social por parte da mãe durante esse período (Crockenberg, 1981; Crockenberg & McCluskey, 1986). Já a disponibilidade de apoio social contribui para facilitar a maternidade, principalmente sob condições estressantes, promovendo o desenvolvimento de um apego seguro bebê-mãe, além de afetar diretamente a criança, pelo contato dela com os membros dessa rede de apoio (Crockenberg, 1981). A possibilidade da mãe contar com pessoas que a auxiliem nessa nova fase e, principalmente, nos momentos difíceis, possibilita que esteja mais disponível afetiva e fisicamente para atender de forma adequada às demandas do bebê.
Diversos autores (Brazelton & Cramer, 1992; Stern, 1997; Winnicott, 1956) propuseram conceitos e teorias para explicar a transição para a maternidade. Por exemplo, Winnicott (1956) se referiu ao conceito de "preocupação materna primária" para explicar o que seria uma maternidade responsiva ou disponibilidade materna logo após o nascimento. Segundo o autor, caracteriza-se por um estado de sensibilidade aumentada da mãe, que permite que ela se identifique com seu bebê para saber o que ele está sentindo. Inicia no final da gravidez e persiste até algumas semanas após o nascimento.
Já Stern (1997) denominou constelação da maternidade a toda essa modificação e reorganização da vida, experimentadas pela mãe após o nascimento do bebê. Dentre os quatro temas destacados pelo autor como presentes na vida da mãe nesses primeiros meses após o nascimento do bebê (vida-crescimento,relacionar-se primário,areorganização da identidade e matriz de apoio) destacamos aqui apenas o último deles, pela sua relevância ao presente artigo. O tema da matriz de apoio refere-se à necessidade da mãe de criar, permitir, aceitar e regular uma rede de apoio protetora para que possa manter o bebê vivo e promover seu desenvolvimento psíquico-afetivo. Apresentaria duas funções principais: proteger a mãe fisicamente e apoiá-la em termos psicológicos e educativos para que ela possa dedicar-se ao bebê. Tradicionalmente, segundo Stern, o apoio do marido restringia-se à tarefa de manutenção física da mulher, enquanto uma figura feminina ficava com a tarefa de apoiá-la e instruí-la em relação ao desempenho da função materna. Com a redução da família, em muitas sociedades, verifica-se atualmente a ampliação das funções atribuídas ao pai. De qualquer modo, para Stern, o principal envolvimento psicológico da mãe ainda ocorre com as figuras maternas de sua vida. Esse tema inclui também as representações da mãe sobre como as pessoas que a ajudam a veem como mãe e sobre sentir-se ameaçada de perder o amor do bebê para essa matriz de apoio.
A literatura tem ressaltado o caráter potencialmente conflituoso da experiência da maternidade como um fator de risco para a ocorrência de distúrbios mentais após o nascimento de um bebê (Rowan, Bick & Bastos, 2007). Nesse contexto de extrema dedicaçaõ da mãe à maternidade e ao bebê, o apoio de outras pessoas, como o pai do bebê, tem um papel relevante.
O apoio social diz respeito a uma rede de sistemas e de pessoas significativas que proporcionam apoio e reforço ao indivíduo diante das situações de vida (Brito & Koller, 1999). Simons e Johnson (1996) caracterizam a rede de apoio social como associada a manifestações de carinho e ao encorajamento e assistência provida por familiares, amigos, vizinhos, profissionais, etc. Este pode envolver uma ajuda emocional (expressões de conforto e cuidado), informacional (informações e orientações), ou instrumental (provisão de recursos, serviços e solução de problemas) que alguém recebe de contatos sociais formais ou informais (Dunkel-Shetter e cols., 1996; Pierce e cols., 1996).
Quando a nova mãe é cercada por pessoas que a ajudam e a apoiam, os sentimentos maternos de autoconfiança e realização pessoal tendem a aumentar, assim como a disposição de dar afeto ao bebê (Maldonado, 1990). Espera-se ainda que um cônjuge se estresse menos emocionalmente diante de eventos aversivos quando o outro parceiro é compreensivo, dá conselhos e assistência (Simons & Johnson, 1996).
Atualmente, nas sociedades mais desenvolvidas, as redes de apoio social se encontram muitas vezes diminuídas em virtude das atividades envolvendo a vida nas cidades grandes, deixando a mulher muitas vezes só para cuidar do bebê (Stern, 1997; Rapoport, 2003). Isso pode afetar a maternidade e o desenvolvimento do próprio bebê, tendo em vista que, especialmente nesse momento do puerpério, a mulher tende a se sentir mais insegura, pelas várias mudanças que ocorrem em sua vida e pelo fato dela deixar de ser o centro de sua própria vida, privilegiando seu bebê (Falceto, 2002). Por outro lado, Zimmermann, Zimmermann, Zimmermann, Tatsch e Santos (2001) referem que, apesar da importância do apoio social, algumas mães preferem assumir as tarefas sozinhas, como se isso as ajudasse a construir alicerces mais sólidos de sua competência como mães.
Há consenso entre os autores que a experiência da maternidade se constitui em um dos ritos de passagem que marcam a vida de uma mulher e esta é influenciada por fatores da própria mãe e sociais afetando a forma como alcança o seu papel de mãe (Catafesta, Venturi, Zagonel & Marialda, 2007). Além do apoio social, os autores indicam a preparação antecipatória à maternidade envolvendo a área da saúde como fatores que podem influenciar de forma positiva a adaptação à maternidade.
Além dos inúmeros aspectos subjetivos e sociais destacados acima, exigências e mudanças pontuais podem afetar muito a recém-mãe nos primeiros meses de vida do bebê, como, por exemplo, a privação do sono e a adaptação de sua vida ao ritmo do bebê (Peters, 1999), o que pode se constituir em fatores de muito estresse para elas. Segundo o autor, a maioria das mulheres sabe que os bebês mamam geralmente a cada três horas, mas poucas sabem o que significa acordar a cada três horas ou até mais vezes a cada noite. Além disso, com um recém-nascido a mãe acaba não podendo manter o seu próprio ritmo, não pode viver o cotidiano de sua vida anterior, e acaba muitas vezes sem horários para suas atividades e, sobretudo, para descansar. Como enfatiza Peters, o dia da mãe passa a ser ditado pelas necessidades do bebê, cujos pais vivem "para servir o novo príncipe da casa, que é absolutamente o que todo bebê é" (p. 83). Apesar desses sacrifícios, os filhos podem trazer à tona uma grandeza de amor que surpreende, desarma, domina e gratifica, compensando as frustrações e as dificuldades inerentes ao papel materno e paterno.
Considerando as questões expostas acima, é importante que se investiguem os sentimentos e vivências maternos, especialmente os associados às situações estressantes do primeiro ano de vida do bebê. A exposição do lado difícil e estressante da maternidade tem sido muitas vezes negligenciada historicamente em nossa sociedade em decorrência de diversos mitos e estereótipos que tendem a destacar unicamente seu lado bom e bonito. Nem sempre se aceita que a mãe possa ter dificuldades legítimas e possa se sentir sobrecarregada ao ter que cuidar de um recém-nascido. Soma-se a isso a própria melancolia pós-parto, baby blues (Miller, 1997), que afeta um número muito grande de mães e que contribui para exacerbar suas dificuldades e sentimentos negativos. Essa melancolia manifesta-se nos 10 primeiros dias pós-parto e tem como características a irritabilidade, depressão, labilidade do humor, choro fácil e indisposição (Miller, 1997; Maldonado, 1990). Na revisão da literatura realizada por Schwengber, Alfaya, Lopes e Piccinini (2003), os autores referem que esse quadro é uma reação normal no puerpério imediato, atingindo mais de 50% das novas mães, na primeira semana após o parto e tendo, geralmente, remissão espontânea.
Sendo assim, o objetivo deste estudo foi investigar situações estressantes envolvendo a maternidade no primeiro ano de vida do bebê e o apoio social recebido. Isso permitirá que se explicitem algumas das dificuldades maternas ao longo do primeiro ano do bebê, buscando destacar o quanto estas são comuns e esperadas, bem como seu potencial para desencadear sentimentos negativos na mãe, próprios desse período da vida. Entende-se por situações estressantes aquelas referidas, e então percebidas, pelas mães ao serem questionadas se haviam vivenciado situações estressantes ao longo do primeiro ano de vida do bebê.
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Considerações finais
Os relatos analisados no presente estudo mostram que as mães experimentam uma ampla gama de sentimentos ambivalentes em torno da experiência da maternidade. Se por um lado sentem-se muito felizes e apaixonadas por seus bebês, também é comum que se sintam extenuadas e ansiosas. Alguns dos sentimentos depressivos podiam ser decorrentes das experiências do período pós-parto, de situações revividas a partir do nascimento do bebê e/ou de características de personalidade destas mães. [...]
Como a maternidade não é tarefa fácil, o apoio social torna-se fundamental para o desempenho da tarefa materna. E aqui, cabe se perguntar o que acontece com as mães e seus bebês quando esse apoio não existe, ou é inadequado, como foi relatado por algumas participantes do presente estudo. A mãe é socialmente muito cobrada em relação aos cuidados do bebê e, em nossa cultura, fala-se em amor de mãe ou instinto materno como uma característica supostamente inata, que orienta a prática diária materna, que deve ser vista como gratificante, apesar das dificuldades. Badinter (1985) assinala que as mulheres sofrem preconceito quando não correspondem a esse modelo, e destaca que o instinto do amor materno é um mito decorrente de uma construção cultural e da idealização da experiência da maternidade.
Alguns relatos do presente estudo retrataram intensos sentimentos e dificuldades das mães, revelando uma face da experiência da maternidade que muitas não têm coragem de admitir. Muitas dessas mães, todas primíparas, falaram de seu desespero, de seu cansaço, do medo, da falta de paciência e de quanto seus maridos, mães e sogras ajudaram a passar por esses períodos difíceis. Embora o apoio eventualmente recebido não tenha anulado o efeito das experiências negativas, provavelmente o amenizou, possibilitando que grande parte das mães vivenciasse essa experiência de forma mais positiva, ao se sentirem apoiadas em suas tarefas práticas, bem como emocionalmente amparadas.
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Os resultados do presente estudo destacam a necessidade de apoio social para que as mães possam lidar adequadamente com a complexidade das situações que envolvem os cuidados do bebê. A participação dos familiares, amigos e de profissionais parece contribuir enormemente não só na resolução imediata de eventuais necessidades nos cuidados do bebê, mas propiciando à mãe a tranquilidade que precisa para cuidar do seu primeiro filho em todas as dimensões do cuidado físico e psicológico.
Para ler o artigo na íntegra, acesse a fonte.
Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-82712011000200010
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